Francis Ponge
Tradução: Júlio Castañon Guimarães
A chuva, no pátio em que a olho cair, desce em andamentos muito
diversos. No centro, é uma fina cortina (ou rede) descontínua, uma
queda implacável mas relativamente lenta de gotas provavelmente
bastante leves, uma precipitação sempiterna sem vigor, uma fração
intensa do meteoro puro. A pouca distância das paredes da direita e da
esquerda caem com mais ruído gotas mais pesadas, individuadas. Aqui
parecem do tamanho de um grão de trigo, lá de uma ervilha, adiante
quase de uma bola de gude. Sobre o rebordo, sobre o parapeito da janela
a chuva corre horizontalmente ao passo que na face inferior dos mesmos
obstáculos ela se suspende em balas convexas. Seguindo toda a
superfície de um pequeno teto de zinco abarcado pelo olhar, ela corre
em camada muito fina, ondeada por causa de correntes muito variadas
devido a imperceptíveis ondulações e bossas da cobertura. Da calha
contígua onde escoa com a contenção de um riacho fundo sem grande
declive, cai de repente em um filete perfeitamente vertical,
grosseiramente entrançado, até o solo, onde se rompe e espirra em
agulhetas brilhantes.
Cada uma de suas formas tem um andamento particular; a cada uma
corresponde um ruído particular. O todo vive com intensidade, como um
mecanismo complicado, tão preciso quanto casual, como uma relojoaria
cuja mola é o peso de uma dada massa de vapor em precipitação.
O repique no solo dos filetes verticais, o gluglu das calhas, as
minúsculas batidas de gongo se multiplicam e ressoam ao mesmo tempo em
um concerto sem monotonia, não sem delicadeza.
Quando a mola se distende, certas engrenagens por algum tempo continuam
a funcionar, cada vez mais lentamente, depois toda a maquinaria pára.
Então, se o sol reaparece, tudo logo se desfaz, o brilhante aparelho
evapora: choveu.
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