Abrira o correio: nada de novo. “Devia viver sem esperar. Esperar gera expectativa, o que é ruim”, pensou.
Saiu.
Levou Boris e foi perambulando até a Praia da Ponta da Areia. Sentou-se
num banco, quando viu as garças. Deitado a seus pés, o cãozinho
realizava o que havia de lealdade.
Tentava
pôr ordem nos sentidos, embaralhados com pensamentos avulsos que a
povoavam desde a véspera, em sonhos e devaneios. Freud dizia que as
imagens dos sonhos são, na verdade, estanques. São cenas separadas como
as que são vistas da janela de um trem em movimento, sendo o enredo
construído por nós.
Há
muito não sonhava acordada. Recolhia cada uma das imagens que a
inundavam, tentando deixá-las fluir. Capturadas e costuradas na mente,
retalhos numa escrita de parágrafos disjuntos, sem enredo possível,
aprisionavam.
Lembranças
emudecidas e sonhos decepados paralisam ações na ausência da cor. E o
tempo estivera parado, naquela tarde cinzenta: os pássaros não cantaram,
nenhum barulho veio dos vizinhos, o cigarro esperou o café que não se
fez. Sem hostilidades, o mundo se mostrava incerto. Tudo parecia estar
de sobreaviso.
O vôo repentino de uma garça sacudiu-a, assinalando ter chegado o momento. Era imperioso voar.
Sonia Regina. In: Midas
14.5.08
Imagem: Soreg - Jardim Botânico, Rio
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