Desenho
Desenhar acalmava-te. A tua infernal caneta era um atiçador,
era como um ferro incandescente. Os objectos
sofriam para ter uma nova realidade, torturados
até alcançarem a posição definitiva. Enquanto desenhavas
sentia-me solto, tranquilo. O tempo ficou suspenso
enquanto desenhaste o mercado de Benidorm.
Sentei-me ao pé de ti, a escrevinhar qualquer coisa.
As horas passaram a arder. Os vendedores das tendas
abeiravam-se para ver se tinham ficado bem.
Estávamos sentados nuns degraus, com os nossos sapatos de corda
e éramos felizes. A nossa curiosidade de turistas
já tinha passado, conhecíamos bem o nosso caminho
nas andanças pela cidade. Éramos familiares objectos
estranhos. Quando acabou de vender as bananas,
o vendedor ofereceu-nos um solo
de violino que tocou ali mesmo num caule de bananeira.
Toda a gente nos rodeou para elogiar o teu desenho.
Continuavas a desenhar teimosamente, captando todos os detalhes,
até aprisionares toda a cena.
Ei-la. Resgataste para sempre
a nossa manhã de outro modo perdida. A tua paciência,
mordendo o lábio e de testa franzida, conseguiu fazer o retrato
de um mercado adormecido ainda
na Idade Média. Mesmo antes de desaparecer
sob a gritaria de um milhão de veraneantes
e de um penhasco de brilhantes hotéis. Enquanto a tua mão
descia por baixo de Heptonstall para ser agarrada
pela escuridão interminável. Enquanto a minha caneta viaja
apenas a duzentas milhas da tua mão,
agarrando essa recordação do teu lenço vermelho com bolas branca,
os teus calções, a tua camisola de manga curta -
Uma das trinta que carreguei comigo pela Europa -
e as tuas longas pernas, morenas, onde apoiavas o teu bloco,
e a contemplativa calma
que eu bebia da tua concentrada quietude.
É nessa contemplativa calma
que agora bebo do teu silêncio, que nenhum
de nós pode evitar ou perturbar.
Ted Hughes. Cartas de Aniversário.era como um ferro incandescente. Os objectos
sofriam para ter uma nova realidade, torturados
até alcançarem a posição definitiva. Enquanto desenhavas
sentia-me solto, tranquilo. O tempo ficou suspenso
enquanto desenhaste o mercado de Benidorm.
Sentei-me ao pé de ti, a escrevinhar qualquer coisa.
As horas passaram a arder. Os vendedores das tendas
abeiravam-se para ver se tinham ficado bem.
Estávamos sentados nuns degraus, com os nossos sapatos de corda
e éramos felizes. A nossa curiosidade de turistas
já tinha passado, conhecíamos bem o nosso caminho
nas andanças pela cidade. Éramos familiares objectos
estranhos. Quando acabou de vender as bananas,
o vendedor ofereceu-nos um solo
de violino que tocou ali mesmo num caule de bananeira.
Toda a gente nos rodeou para elogiar o teu desenho.
Continuavas a desenhar teimosamente, captando todos os detalhes,
até aprisionares toda a cena.
Ei-la. Resgataste para sempre
a nossa manhã de outro modo perdida. A tua paciência,
mordendo o lábio e de testa franzida, conseguiu fazer o retrato
de um mercado adormecido ainda
na Idade Média. Mesmo antes de desaparecer
sob a gritaria de um milhão de veraneantes
e de um penhasco de brilhantes hotéis. Enquanto a tua mão
descia por baixo de Heptonstall para ser agarrada
pela escuridão interminável. Enquanto a minha caneta viaja
apenas a duzentas milhas da tua mão,
agarrando essa recordação do teu lenço vermelho com bolas branca,
os teus calções, a tua camisola de manga curta -
Uma das trinta que carreguei comigo pela Europa -
e as tuas longas pernas, morenas, onde apoiavas o teu bloco,
e a contemplativa calma
que eu bebia da tua concentrada quietude.
É nessa contemplativa calma
que agora bebo do teu silêncio, que nenhum
de nós pode evitar ou perturbar.
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