Canto Quinto

                     A Cecília Meireles

Sonia Regina

[03.3.10]


Talvez mais que surpresa, espanto. Na sala estavam, além de Pingo, Manuela e Lúcia, uma cachorrinha preta com lacinhos lilases e D. Virgínia. Dona Virgínia? Então era ela a dona da cadela?
D. Virgínia ainda tinha ares de império. Branca viu de imediato o olhar altivo que sempre acompanhara sua fala direta e ríspida.

“Temos impérios vários, príncipes, imperatrizes, princesas (...). É o nosso sonho de grandeza, a nossa compensação, a valorização que damos aos nossos próprios méritos...” [1]

Foi difícil cumprimentar a visitante. Não conseguiu esboçar um sorriso e estendeu a mão, o braço recuando. Instantes intermináveis de um reencontro desagradável. Disse meia dúzia de palavras e retirou-se. Conversaria com a filha e a diarista à noitinha. Aliás, tinha uma resposta afirmativa ainda pendente e a conversa com Lúcia não podia passar daquele dia. Cogitou:

“Passou-se muito tempo. Aprendi muitas coisas, entre as quais o suposto sentido do mundo. Não duvido de que o mundo tenha sentido. Deve ter mesmo muitos, inúmeros, pois em redor de mim as pessoas mais ilustres e sabedoras fazem cada coisa que bem se vê haver um sentido do mundo peculiar a cada um.” [2]

Separou uma roupa e entrou no chuveiro, pensando em como conseguira se desvencilhar com serenidade. O barulho da água atrapalhava seus pensamentos, as lembranças se embaralhavam. Flashes de uma memória infantil se misturavam a recordações adolescentes, há muito adormecidas.
As pernas cansadas da caminhada pareciam pesar muitos quilos. O vapor tinha um ar de névoa sem serra. O sabonete derretia nas mãos de Branca e o perfume a enjoava. Enxaguou-se e deixou o banheiro, contente por ter reformado o apartamento. Havia porta separando o corredor da sala, havia porta protegendo sua intimidade.


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