O casario - Sonia Regina

Movimentos mais lentos e delicados cabem inteiros no tempo: sem roçá-lo, permanecem movendo-se ano após ano. Como a cor. Sentia saudades de certas épocas e por vezes a nostalgia a tomava, o que a desagradava. Núbia era virginiana prática, organizada, avessa a devaneios.

Por vezes as lágrimas afloravam. Piscava para que não escorressem e ia atrás de um livro ou uma nova receita: o essencialmente pragmático a aproximava do não-pensamento. Isso era bom e raro, Núbia não era afeita à arte da culinária. Contudo, descansava a mente e a criatividade soltava-se tateante, em busca do que acendesse algum sabor e desse luz a um novo prato.

Em momentos assim ancorava-se nos detalhes. Os antes despercebidos a assaltaram naquela manhã, de janela não diferente da habitual.

Via ao longe telhados cobrindo casas amarelas e brancas, de portas azuis. Todavia, seu deslumbre foi para o colorido dos barracos na favela. Sempre dissera que o mundo girava na voz e os encantamentos surgiam do olhar. O seu, agora, pousava nesse casario ainda na sombra. O sol que tocava seu rosto - levemente, como sempre - não havia chegado lá.

“Mas o sol não pára”, pensou.



Sonia Regina
6102010

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