Sonhos [um intervalo brusco] - Sonia Regina




















Sua única verdade era a ausência de cor intensa. Vivia, entre os pousos, fugazes instantes. Impulsos débeis oneravam seu esqueleto frágil que vibrava na paisagem desértica em busca de um oásis urbano.

Não havia esquecido como se voava, sabia que não tinha as asas cortadas – mas receava as formulações autocomplacentes derivadas de certas metáforas.

Transitava em situação de igualdade com os que não possuíam jardins entre as sílabas. Tornava-se sua própria lâmpada de serenidade.

Muito quieta, ruminava cargas de energia das quais não se desvencilhara. Amontoadas e retidas, haviam explodido as ternuras. Ao expelirem as violências o vazio grassara, consumindo até o tédio.

O espanto não mais lhe bastava, queria cumprir a contemplação de outra maneira – tátil, talvez. Como São Tomé andava precisando tocar a realidade, fosse qual fosse.

O chão imundo e a poeira das ruas eram a crueza visual da cidade. Pessoas dormiam nas calçadas em farrapos e a natureza acontecia ao lado, solene e impassível ante a degradação.

Sabia que jamais ofegaria com a tensão da relva sob os pés e sua alma nunca seria fotografada. A terra tem o dom do acolhimento, entretanto. Avançaria e respiraria, sem que a perturbassem o pó da estrada ou as rajadas de vento.

Saiu caminhando, descalça, como há muitos anos não fazia. Fechava-me: eu, um intervalo brusco.


Sonia Regina
04122010




Imagem: MMGoode 


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