para Rimbaud*
I
nasci em cidade pequena
numa casa sem acordo
de sentimentos ou vontades.
pouco me lembro do pai
que desamparou a família
quando eu tinha seis anos.
está tudo embaralhado
nas recordações da infância:
as dificuldades econômicas
as brincadeiras com meus três irmãos
e com mais nenhuma criança.
a mãe imperial solitária
- sem coragem
presa à família e à casa
em desarmonia -
jamais con-cordava:
a mente proibia.
II
em meu íntimo
[num espaço e tempo sem começo ou fim]
vivem os que amei.
procuro-os, quando atormentada.
à aflição contraponho aquela eternidade
e me refaço.
III
a energia contida na arte me alimenta.
nutre-me até eu poder perceber-me
como se estivesse diante de um espelho
nele enxergo [além do cenário e de mim
mesma] o mais explícito dos hermetismos
e me compreendo: sou um universo particular.
singular na condição humana da pluralidade,
eu me habito
e habito o mundo.
nele me relaciono
livre
[não preciso de qualquer raiva ou coragem para sê-lo]
exerço verdades contraditórias
e vivo os opostos possíveis.
IV
leio os clássicos. amo-os
em minhas entranhas.
guardo-os
na hora da dor pura
junto com outras imagens fortes
que não respeito tanto.
de lá sussurram
Baudelaire e Victor Hugo.
o tom em que o fazem, agudo,
é imposição minha:
convém ao dom profético da literatura.
V
assim
permito-me usar as palavras
na busca de uma poesia
capaz de efetivar mudanças.
a literatura?
é expressão pessoal e reflexo do entorno
– não um fim em si mesma.
sonia regina
06042011
* Neste poema há dados biográficos de Rimbaud. O título é uma alusão ao seu poema Uma temporada no inferno.
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