Além da linha d’água
"Resistes à alquimia
de converter lágrimas em corais"
Manuel C. Amor, in Evocação Abrilina
“Além da linha d’água (...)
poetas também emergem dos poemas”
Sonia Regina, in Além da linha d’água
I
acolhe a incerteza na lágrima,
deixa que a alquimia prossiga
e converta os sentidos
vês os corais além da linha d’água?
poetas também emergem dos poemas
e são mais que episódios metafísicos
sonia regina
22.10.07
II
Os olhos diáfanos não choram
assistem ao seu próprio teatro.
Pantomímico o poeta é actor.
Em compacto estado de pureza,
encena madrugadas.
Vê o dia transformar a noite
(confusão In
Sofrida, essência do amor.)
Depois, ébrio,
finge que é fingidor.
Amante desalmado.
Invulnerável, a todas as dores que doem
Poetas tambem emergem dos poemas
Manuel C. Amor
22.10.07
III
as lágrimas são metáforas
do estado de pureza
se cai o pano da madrugada
fica em cena a divindade
sem alma, a fechar um ciclo
inaugura outro, nos versos
vem o guerreiro, o guia
renovador, o líder
poeta da clareza,
transparência – luz
poetas também emergem dos poemas
sonia regina
22.10.07
IV
O poema nasce imponderável
Força a memória com subtis substantivos
E nenhuma palavra é inocente:
Dá forma ao espanto
De cortar a primeira respiração ao pensamento.
Acorda bolero de Ravel electrizando o compasso
Transparente
Cresce cacto- candelábrico
liberta vulcões
frutos de fogo
Adormece descompassado
incompleto
alquebrado
Num lago de cisnes
poetas também emergem dos poemas
Manuel C. Amor
23.10.07
V
não ouvirá o canto do cisne
o poema que, no lago, sonha
com um mar em tempestade,
trazendo do lado esquerdo do mundo
as palavras, em secreta ebulição.
nada adjetiva o enigma,
o espanto ganha forma
sem decifração possível
e toda palavra sabe
o pensamento ao respirar
rasga para fora do coração
o poema de um corpo vivo
guia renovado pelo fogo,
oferece-se ao por do sol
na dança com Ravel
poetas também emergem dos poemas
sonia regina
24.10.07
VI
e toda palavra, mesmo quando não dita,
na garganta do poeta já está pronunciada
pois,
como um fogo de letras,
na alquimia das células cerebrais
já incendiou o pensamento.
sobre paisagens de água,
em direcção à morte ou ao amor
as palavras do poeta flutuam
as palavras ou o próprio poeta que flutua?
(afinal morte e amor tem a mesma direcção)
E os poetas também emergem dos poemas
Manuel C. Amor
25.10.07
VII
e toda palavra pacata é trágica, se cerrada.
desistente, coberta por um breu apagado,
já não respinga letras como fagulhas
na alquimia cerebral a alma descansa
e o pensamento se apaga, desliga-se
da paisagem em divagações solitárias
resta um cenário esvaziado de qualquer ímpeto
pelo avesso a centelha nada aquece ou guarda,
a água racha e o gelo segue o mesmo curso
do amor e da morte, num flutuar sem traumas
poetas também emergem dos poemas
sonia regina
26.10.07
VIII
em divagações solitárias
num flutuar sem traumas as ondas
afluem translucidas
riem mansamente e
brancas
esgotam-se no horizonte.
Conheço as dobras melancólicas
O côncavo de todos os rios
e num cenário esvaziado de qualquer ímpeto
E curvo-me à verticalidade das
Árvores que teimam em não cair
E que endurecem a pele
A cada temporal
e os poetas também emergem dos poemas
Manuel C. Amor
26.10.07
IX
aquém e além da linha d’água
dança a vida
e nós com ela
suaves, como os pés que do chão
e do pó ganham asas
baila no mar a onda, baila a palavra
ganhamos força, todos, se sorrimos
a melancolia não aporta no côncavo
dos rios, os poemas dizem mais do
que livros com as páginas viradas
e, guardando na folhagem o sentido
da carícia, enfrentando as intempéries
com tronco que não se verga, resiste
[indômita]
a árvore sábia
e os poetas também emergem dos poemas
sonia regina
26.10.07
X
Alguém anda sobre a àgua
A resistir ao desdém do eterno abraço!
O vento, que sobre nós sopra tanto,
desloca-se tão leve
e guarda
na folhagem
o discurso das brisas.
Mas a melancolia
não aporta no côncavo dos rios
nem o amor ansioso penetra
a fronteira da morte.
e os "poetas também emergem dos poemas"
Manuel C. Amor
27.10.07
XI
um fio d’água suporta
as pegadas de quem resiste
ao desdém do eterno abraço
num mundo que se incendeia
em momentos fugazes
no ritmo do vento morno
a cigarra canta
na primavera o tempo infinito
discurso das brisas
sem qualquer eternidade
sob o poder das palavras
a melancolia flui, já rio,
por terras sem fronteiras.
em algum ponto uma beira,
como a areia e o mar
um litoral possível
que a morte não penetra,
ou o amor ansioso, onde
os poetas também emergem dos poemas
sonia regina
28.10.07
XII
uma linha uma régua
que traçe o azimute
uma trama sem trégua
sem distância nem légua
que tão longe desponte.
além da linha d'água
sonha-se um horizonte
numa fala de mágoa
que no calor da frágua
é a sede ou a fonte.
josé felix
28.10.07
XIII
Somos, todos, um poema
em construção
uma trama sem trégua
sem limites
a não ser – da seqüência - a quebra
quando o que nos domina é o ritmo
do ferro magoado,
no calor da frágua
nem sede, nem fonte
somos todos poetas
além da linha d'água
e os poetas também emergem dos poemas
sonia regina
28.10.07
XIV
No percurso do pensamento
esgota-se a água do rio no mar
além da linha d'água
Somos poema em construção à procura do enigma
Mas, o amor e o ódio não se justificam
Ama-se ou odeia-se
Não há meios-termos
os poetas também emergem dos poemas
Porque se perdem os poetas
a tentar explicar o absurdo?
Manuel C. Amor
29.10.07
XV
além da linha d’água
não há pensamento;
poetas dizem do absurdo
com a palavra acesa,
maravilha que os espanta e consome.
sentidos acirrados, enigma em combustão,
os pés na terra;
a cabeça no firmamento
busca a palavra plena
que amam, na quietude geradora,
odiando não ter roubado o fogo
dos deuses.
com ele têm momentos secretos
e íntimos, quando forjam as letras
à flor da pele
os poetas também emergem dos poemas.
sonia regina
29.10.07
XVI
Na ânsia de descobrir um só meio
para pôr fim aos males que o flagelam
o poeta
Esquadrinha nos sonhos
visões reveladoras da verdade.
Transforma milagres de perenidade
em quotidianos ventos de palavras.
Finca os pés na terra e a cabeça no firmamento
inventa naus para singrar todas as linhas d’água
e navega preso ao fascínio das palavras corporificadas
Não pede clemência
nem clama por misericórdia:
sobrevive aos espinhos
emerge dos poemas
vive para além das palavras.
O poeta
Prometeu revisitado desafia a cólera do Olimpo
Manuel C. Amor
31.10.07
XVII
o poeta, artesão de signos
não-visíveis,
diz do movimento das paixões
com o coração revolvido
esquadrinha nos sonhos
visões reveladoras da verdade
não natural
e a palavra excede, na ilusão,
e a palavra excede, na ilusão,
sem colorido ou textura.
pela humanidade o poeta enfrenta
o sagrado, como Prometeu
transforma milagres de perenidade
em quotidianos ventos de palavras,
representa o não-visível.
mente, o poeta? inventa.
inventa naus para singrar
todas as linhas d’água
: ficção - não mentira –
à qual ninguém atribui
a verdade dos fatos
nos versos, evidência
do não-visível
[e do visível],
o poeta comunica
a maravilha,
o conhecimento do sensível.
nessa arte que agrada pela ilusão,
pelo engano desejado,
pela palavra o poeta emerge
dos poemas.
sonia regina
31.10.07
XVIII
Artesão de signos não visíveis o poeta
derruba muros que isolam a solidão
das mulheres girassóis vergadas
ao peso de duras existências
(Mulheres amadas por Deus e por Deus devassadas)
Com o coração revolvido
Revolve o subsolo invisível
do nosso descalabro civilizacional.
Cimenta palavras estilhaçadas
que
intrometidas no sono da purificação universal,
sublevam.
O Poeta é construtor e canta a memória
do mar
das aves
do sol
Ao encontro de um projecto ainda sem contornos
que emerge dos poemas.
Mesmo quando a sua tristeza dá a volta
a todo o universo.
Manuel C. Amor
01.11.07.
XIX
deliciando o olhar de quem os percebe
deliciando o olhar de quem os percebe
na eterna dança das palavras,
como um sol os poetas não guardam
a chama de seus raios inquietos
percorrem os que, como flores de campinas
desertificadas, se esticam querendo tocá-lo,
sol, vida que isola a solidão desses seres-girassóis
vergados ao peso de duras existências.
as letras desordenadas vão, passos elétricos,
integrando a paisagem que se acalma
a chuva se fixa no céu
e o poema penetra o solo
revolve os subsolos do coração,
cimenta os estilhaços;
exubera na paisagem a habitação dócil
que os novos corpos erguem,
desembaraçados os fios de instabilidade
e fragilidade
e os poetas cantam, cantam a memória da natureza
desobrigando luz e trevas
o poema deságua
de entre os elementos
num projecto ainda sem contornos
os poetas pulsam
no fogo, no ar, na terra, na água,
como um sol os poetas ardem.
sonia regina
02.11.07
02.11.07
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