Metalinguagem Poética: Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade


por Eduardo Alexandre da Silva Costa

In: Alumbramento e luta: Um estudo da metapoesia em Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade


Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras, da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Teoria da Literatura. Recife. Abril de 2006
Orientador: Anco Márcio Tenório Vieira


(leia na íntegra aqui)





Introdução

Metalinguagem, como se verá a seguir, sobretudo a metalinguagem poética, tema desta dissertação, mais ainda de dois autores tão próximos da tradição literária moderna brasileira, como Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, parece ser algo de certa forma simples, num primeiro momento. Os dois poetas estão entre os mais estudados do país. Seus poemas já são considerados clássicos, alguns, bastante populares. Mas não é fácil. Bandeira, de uma falsa simplicidade cantada em verso e prosa por ele mesmo, só o é de fachada: sua poesia é sua própria metalinguagem poética, seja no contexto da criação ou só no plano das idéias. Sua poesia é metalingüística antes de ser poesia, já na idéia do “alumbramento”, conceito que se verá a seguir e que é fundamental para o entendimento de seu fazer poético. Sem falar nas encruzilhadas intertextuais que o poeta injetou em sua poesia, algumas vezes de forma tão hermeticamente identificadas com sua vivência pessoal que se faz necessário − e assim ele fez − uma explicação ao leitor imaginário sobre o que se está dizendo. O Manuel Bandeira que desentranha poesia de qualquer coisa, das mais simples às mais complexas, só reitera isso.
Carlos Drummond de Andrade, por sua vez, foi mais clássico, mesmo dentro de suas inovações formais. Sua poesia também acaba sendo repleta de metalinguagem, mas há espaço para o lirismo puro, que a consciência comum da Tradição já não considera como um processo metapoético por si só, embora a realidade esteja ali retratada e simbolizada de forma não-linear, como convém aos conceitos mais clássicos de poesia. Drummond, ao
contrário de Bandeira, faz metapoesia mais às claras; diz que a fará e a faz. A poesia é o
sujeito e, às vezes, o objeto direto de seus mais marcantes metatextos. Mais filosófico, mais angustiado em suas experiências com o mundo que seu colega pernambucano − não
que Bandeira não fosse um observador da realidade (não apenas o é, como é um dos melhores), mas sua poesia pouco jorrou além de suas angústias pessoais: o mundo girou em torno de suas visões sobre a própria doença, com a qual conviveu, com seus amores ou desamores e com seus amigos, tudo temperado de simbolismos formados na mitologia de sua infância. Sem falar que a análise da obra drummondiana, como bem apontou Silviano Santiago, deve levar em consideração que “seus poemas já vêm carregados de significação suplementar, dada pelos diversos analistas e intérpretes [...]” (1). O que vale também para Bandeira.
Diante disso, a metodologia usada foi muito simples e pessoal. No primeiro capítulo, tentou-se encontrar as melhores definições sobre o que é a metalinguagem, recurso presente em todas as artes, que nem sempre se sente, mas que está sempre lá.
Autores que discorreram sobre o tema, bem como suas variantes, como é o caso da sofisticada noção de intertextualidade. Só a partir daí tornou-se possível uma maior compreensão da arte poética que se estuda, examina-se, disseca-se. A metalinguagem da metalinguagem.
O segundo capítulo é dedicado inteiramente ao estudo da metapoesia de Manuel Bandeira, de seu pós-Simbolismo e pós-Parnasianismo da primeira fase à inteireza da prática moderna, do poeta maduro. Para isso, este trabalho procurou seguir uma ordem poética cronológica, não por considerá-la mais útil que uma ordem afetiva ou mesmo temática; mas por considerar que assim procedendo pode-se perceber melhor o crescimento técnico da poesia desse autor: seu amadurecimento, seu fluir e desenrolar-se ao longo dos anos (até porque os conceitos bandeirianos vão se somando, incorporando-se uns aos outros). Esta dissertação procurou também na obra bandeiriana os poemas mais próximos do que possa ser metapoesia, mesmo que não pareçam como tal, em uma primeira leitura. Procurou não de forma aleatória. Foi utilizada, como guia nessa busca, parte de sua numerosa fortuna crítica. E a opinião do próprio poeta, que, melhor que Drummond, soube explicar seu próprio processo criativo − até por ser melhor prosador que o mineiro. No capítulo dedicado a ele, estão esses poemas, alguns analisados de forma mais ampla, outros, utilizados só como exemplo ou ilustração; ou confirmação. Tudo girando em torno de seus conceitos chaves: o “alumbramento” e a técnica de “desentranhar” poesia das coisas.
No capítulo dedicado à Carlos Drummond de Andrade, o terceiro, fez-se breve estudo de seus metapoemas mais significativos. Verificou-se, também, que no poeta de Itabira essa relação com a poesia é mais sofisticada, não em um sentido que poderia menosprezar ou ultrapassar os conceitos bandeirianos. De fato, esses conceitos são sim ultrapassados, mas na medida em que é normal uma geração ultrapassar a outra, nem que seja no sentido de transformá-la, renová-la, mesmo que sem idéia próprias − o que não é o caso drummondiano. Isso para se chegar a uma idéia de Drummond como um poeta estrategista, que se movimenta no “reino das palavras”, recuando e avançando, sem limites estabelcidos para essas ações. Por fim, na conclusão, tentou-se algum esboço de finalidade a que se destinou ambas as obras, e suas implicações para o que viria a seguir.
Sobre os autores utilizados como base teórica, deixa-se claro aqui nesta introdução que não se seguiu um critério marcadamente ideológico. Ou seja, esta dissertação não se baseia em uma única escola ou pensamento de quaisquer espectro ideológico ou estético. O que se verificou necessário ser usado foi usado, desde que tivesse alguma relação com o tema ou com os autores estudados. Poetas da dimensão de Bandeira e Drummond não merecem amarras.




(1) SANTIAGO. 1976. p. 26. O autor utiliza o conceito de suplementação de Jaques Derrida “para explicar o movimento de significação que é avançado ao acrescentar alguma coisa a um todo”. (Idem. Ibidem. p. 26).

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