Caminhada da Seca

Leio desconcertada as notícias da romaria que partiu dia 14.11 de Senador Pompeu, a 280 quilômetros de Fortaleza, na região do Sertão Central do Estado do Ceará.

Há 28 anos, no segundo domingo de novembro, ela acontece: a Caminhada da Seca.

Vestidos de branco em sua maioria, os 6 mil romeiros percorreram de 4 a 5 km até o Santuário da Seca, cemitério da Barragem do Patu. O ritual homenageia os dois mil e quinhentos mortos em um campo de concentração também conhecido por Curral da Fome, onde eram mantidos - para não invadirem e nem saquearem as cidades - os retirantes que foram, em 1932, a caminho de Fortaleza em busca de trabalho e comida.

Os flagelados martirizados viveram em condições sub-humanas, morreram vítimas da fome e da cólera e foram enterrados em valas comuns ao lado da represa do Patu.

Muitos dos romeiros já são devotos, atestam milagres e pagam promessas às "santas almas" dos retirantes. Alguns levam pão e água como oferendas, um ato simbólico para reverenciar os que lá morreram de sede e fome.

É celebrada no campo santo uma missa em homenagem às "Almas do Povo" e os romeiros visitam os casarões da barragem, onde viviam os que administravam o campo de concentração.

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Junto minha voz à desses romeiros, quando clamam por dignidade no semi-árido. Quero crer que a memória de tanta dor não se apagará, quero acreditar que daremos conta de garantir que não mais aconteçam fatos como esse, embora, mesmo hoje, não tenha como certa ou provável a suavidade em tempos cinzentos.

Sonia Regina
15112010

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Nota da autora: O parágrafo abaixo seria o inicial, deste texto. Mas há momentos em que a opinião torna-se descabida, a prosa poética corre o risco de amenizar o impacto da realidade - os fatos não requerem senão pronta ação.

Na praça da cidade os minutos passavam depressa, como lufadas de um vento corrente que não hesitava e uivava, ao transportar a agonia por entre as frestas das portas e janelas. Era o ano de 1932. Havia uma devassa nos caminhos e não o eco à aflição dos viajantes. A andança de esperas vazias mantinha a sensibilidade recolhida, desamparando os sentidos. A luz tocava somente as expressões crispadas e contritas naquelas horas tão pouco generosas.
 
 

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