A maldição




Quebradelas no chão de terra exigiam atenção e tornozelos fortes.  As vielas desciam o morro nem sempre com suavidade e os planos inclinavam-se em graus muito diferentes. Fernanda se locomovia aos trancos, bufando. Suava por todos os poros, perguntando-se o que mais poderia lhe acontecer. Sentia-se numa fossa profunda, imersa em lama e fúria. 

* * *

As ruas planas do sopé do morro encontravam-se fora do alcance de qualquer olhar, por mais arguto que fosse, embora da casa se angariasse uma visão ampla da cidade.  Sentada à porta, Núbia lembrava-se da tarde desconcertante. Fernanda, aflita, atirando pra todo lado, havia suposto que ela lhe ajudaria na faina inglória de rolar as dívidas continuadamente.

Tal não sucedera.

Conversavam no quintal, tomando um café. Núbia afirmou não ter economias: gastara muito com a cirurgia e internação da Princesa Maya (sua poodle de estimação) e eram altos os encargos da pensão que administrava e de onde tirava seus proventos. Na verdade, inexistia a necessidade de justificativas: não havia lastro de amizade para considerações desse tipo, muito menos para tentar dar conta de um pedido de empréstimo.  

Fernanda não atinava com nada disso, entretanto. Ficou fora de si. Os olhos injetaram-se, o desespero transformado em ódio voltou-se contra Núbia.  Xingou-a, blasfemou, rogou-lhe pragas. Nada se ouvia além de seus gritos.  

Niasha, a vizinha, veio ver o que ocorria. Era uma senhora de idade, negra, caribenha. Viera parar no Brasil não se sabia como, desde Tobago. Diziam que era bruxa, mas Núbia não ligava – gostava dela.  Foram seus braços que a acolheram, trêmula, enquanto Fernanda vociferava, maldizendo-a. Foi dela a voz que abafou os berros de Fernanda, em tom de vaticínio:

- “Essa tua energia é nefasta, mulher, mas nada dela ficará aqui. Leva-a contigo. O mal que desejas é como uma carta que envias e cuja única destinatária és tu.”

E olhou para o céu, como se suplicasse. Os pássaros calados que observavam a cena levantaram vôo.

* * *

Fernanda telefonou para Núbia, mais tarde, com voz mansa. Pediu perdão pelo descontrole. E pediu a Núbia que contasse à vizinha que havia sido atacada por pássaros, tão logo desceu o morro.

Sonia Regina
22112010

Imagem:  Antonio Giacomo





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