Foram tantos os murros da vida que estar de pé parecia além da compreensão, da teimosia mais renitente, da obstinação - contrariava qualquer hipótese cabível nesse mundão de meu Deus. Por isso agradecia: acreditava tratar-se de algo divino.
Agradecia a tudo e a todos, quase se desculpava por ainda existir.
Deixa estar que se enfiava num clima morno e confundia sua substância, entregando-a ao escuro absoluto do caos interno. Desordenado, o vigor assemelhava-se ao alimento restrito voltado para a própria fome. O espaço diminuía, o tempo avançava célere.
Sem palavras para promover reinvenções, a voz calara, a irreverência adormecera. O corpo sofrido, a mente anuviada, os sentimentos espalhavam-se no obscuro. Tudo era turvo. Toldadas as sensações, a inteligência enfraquecia. Colocara-se em estado de trevas.
Terminou por dar abrigo a alguns demônios nada gratos com a acolhida (como é de seu feitio), alheios às circunstâncias. A substância noturna povoava o espaço e o tempo parava a cada meia-noite como se fosse inaugurar, enfim, a luz. Mas nada acontecia. A densidade aumentava, a respiração tornava-se difícil. Deserta e em penumbra espremia-se, numa alta compressão. Tudo era opaco naquele universo que, entretanto, já ia longe do espelho.
Não estéril, a matéria possuía memória e os elétrons giravam, embora lentamente. O fogo interior atravessou o esquecimento e os demônios arderam.
A explosão trouxe lembranças da forma, confirmadas pelo olhar. Palavras vinham da sombra, como frutos que se ofereciam à primeira mordida. Olhar, falar, fazer. Urgia arregaçar as mangas, meter as mãos na tina. E com elas agradecer.
Sonia Regina
22072011
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