Antes do terceiro sorriso - Sonia Regina

Aparentemente tudo fluía e funcionava. A cadela a seus pés realizava o que havia de fidelidade e entrega incondicionais. O céu azul e os sons do domingo sobrepunham-se levemente. Das vielas os risos e saudações diziam do prazer do encontro e uma ou outra tosse não o turvava.

Núbia, contudo, sentia-se embaçada. Como um espelho no vapor d´água pouco mostrava de seu brilho e o cotidiano a incomodava em sua secura.

Ocupava o horizonte.  Soltara-se das raízes já havia alguns anos e voar era impossível. Metáfora antiga e empoeirada, as asas mantinham-se fechadas e rentes ao corpo. Núbia não tentava alçar voos e o consentimento das asas a comovia.

Sorriu, ao constatar o quanto precisava de novas raízes, alguma rotina e lençóis de algodão. Aqueles de seda, belos e caríssimos, potencializavam sua sede. Tinha uma paixão acesa e seca.

Núbia não se refugiava no que vivera. O passado não adentrava o presente senão para desdobrar-se em efeitos que iluminavam sua vontade.

Aprumou-se quando a vizinha a chamou do portão. Atendeu-a, deu-lhe a xícara de açúcar e um sorriso.
***

À porta entreaberta rangia o dia. Aquele coração que acordara solitário e sem sonhos rendeu-se à marcha natural das coisas. Nela, a existência da grande força que tudo comanda...

Sonia Regina

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