carnaval [diálogo poético]

sonia regina e jorge vicente


1.

que fazes, quando a tontura
chega aos meus versos?

eu, ouço
a bateria
(tão próxima ao coração)

vibro
- a harmonia me convida -

e sambo.

sonia regina


2.

eu sambo
e dança a ciranda
do pé.

a roda
o beija-mão
o poema
o grito

o saci da selva
e das árvores.

jorge vicente


3.

o pé então se revela

no samba na dança
na ciranda que chora

beija a mão, o poema
grita na selva, a roda

do fumo nos cachimbos
do saci e do caipora

sonia regina


4.

roda então o poema
na ciranda dos versos
em êxtase

a mão o dedo mindinho
o céu apontado na carne
do jovem menino

estou grávido de palavras
e de espaços: o som é a
palavra do batuque.

jorge vicente


5.

lateja o sangue
nasce o ritmo na carne

irrigado, o poema perdido
na matéria adianta-se

sobre os espaços

cúmplice, o batuque liberta
fragmentos aprisionados
no embrião da palavra

sonia regina


6.

não há palavra na solidão
do batuque. apenas o ritmo
milenar dos pés que alçam

as nuvens. os pés. o lento
amontoar dos dedos na pele
do tambor.

o rei momo vai despido.

jorge vicente


7.

atentos ao batuque desfilam
os pés descalços de fantasias

a água lava qualquer pó e nada
mais vem do céu, senão o vento
em sua voragem a atiçar as faúlhas

sobre a pele esticada as baquetas
malham em fogo ausente.

sonia regina


8.

o fogo prescinde sempre
prescinde do batuque e
da seiva contra seiva

a mangueira o bambu
a árvore da floresta
frondosa o tambor que
se ausenta. o silêncio.

tudo está ausente
e nada deixa de existir.
a floresta vive quando
a água subsiste e se
alimenta de saci-pererê

jorge vicente


9.

o saci prescinde do fogo:
quando não pita, assobia

brinca sem tambor
sem batuque
com animais pessoas
a floresta viva a água
os chás para anomalias

diverte-se com a existência,
o solitário do gorro vermelho.
a mata por companhia.

sonia regina


10.

não prescinde da morte
como do dia as nuvens que
trazem a sorte a folia do
dia a negritude do corpo

a falsa batida do batuque
claro

é o corpo a face rosada
da flor - o lento assobio -
as nuvens carregadas de
películas brancas.

as tuas.

jorge vicente


11.

não prescindem do dia
como da morte as películas:
brancos, nossos assobios
soam. lentamente.

cor de rosa, as faces
os corpos
a mais linda flor.

a sorte e a negritude do corpo
vivem o que não pertence
ao tempo. à folia. ao ritmo.

sonia regina


12.

ao ritmo pertencem os meus dedos
e as pequenas salvas de luz que
caem dos meus cabelos.

sabes: um poema nunca termina
nem os dedos são o apogeu da escritura.

tudo é palavra
tudo é ritmo

nada fica por entre os dedos
e ao alcance das mãos.

jorge vicente


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