Frei Betto - Criação literária


Publicado em O Dia Online. 01.08.09.


Como sublinha Bartolomeu Campos de Queiros, tudo que existe – esta publicação, o computador, a cadeira em que me sento, o cômodo no qual me encontro – foi fantasia na mente humana antes de se tornar realidade. Daí a força da literatura de ficção. Também ela foi fantasia na mente do autor e remete o leitor a uma realidade de sonhos que lhe possibilita encarar a vida com outros olhos.

Toda ficção, narrativa ou poética, é des-cobrimento, revelação. Somos múltiplos e, ao ler, uma de nossas identidades emerge por força do encantamento suscitado pela quintessência da obra ficcional: a estética.

A literatura ficcional não tem que ser de esquerda ou de direita. Tem que ser bela. Fazer da ficção um palanque de causas é aprisioná-la numa camisa de força, transformando-a num espelho que não reflete o leitor, reflete o autor e seu proselitismo.

A ficção não tem de ser engajada, o escritor sim. Tem o dever ético de se comprometer com a defesa dos direitos humanos neste mundo tão conflitivo e desigual.

Ler ficção é uma experiência de êxtase – estar em si e fora de si. Somos alçados ao imaginário. A estética nos imprime um novo modo de encarar as coisas. Como lembra Mário Benedetti, a literatura não muda o mundo, mas as pessoas. E as pessoas mudam o mundo.

Estimular em crianças e jovens o hábito da leitura é livrá-los da vida superficial, fútil, e educá-los no diálogo frequente com personagens, relatos e símbolos (a poesia) que haverão de dilatar neles a virtude de uma relação mais humana consigo mesmo, com o próximo, com a natureza e, quiçá, também com Deus.


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Frei Betto (Carlos Alberto Libânio Christo),(1945) quando jovem frade dominicano esteve envolvido com as lutas revolucionárias de seu tempo, com a política e a arte. Militante de esquerda, simpatizante da luta armada, se dividia entre os estudos de filosofia, o jornalismo e a assistência de direção de José Celso Martinez Corrêa na histórica montagem de O rei da vela, pelos idos de 1967. É escritor consagrado, com inúmeros livros de sucesso, dentre eles "Fidel e a Religião", coletânea de entrevistas com o líder cubano. O texto acima foi publicado no jornal "O Globo", de 28/07/2000.


FONTE: Releituras




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