Ted Hughes

Desenho



Desenhar acalmava-te. A tua infernal caneta era um atiçador,

era como um ferro incandescente. Os objectos

sofriam para ter uma nova realidade, torturados

até alcançarem a posição definitiva. Enquanto desenhavas

sentia-me solto, tranquilo. O tempo ficou suspenso

enquanto desenhaste o mercado de Benidorm.

Sentei-me ao pé de ti, a escrevinhar qualquer coisa.

As horas passaram a arder. Os vendedores das tendas

abeiravam-se para ver se tinham ficado bem.

Estávamos sentados nuns degraus, com os nossos sapatos de corda

e éramos felizes. A nossa curiosidade de turistas

já tinha passado, conhecíamos bem o nosso caminho

nas andanças pela cidade. Éramos familiares objectos

estranhos. Quando acabou de vender as bananas,

o vendedor ofereceu-nos um solo

de violino que tocou ali mesmo num caule de bananeira.

Toda a gente nos rodeou para elogiar o teu desenho.

Continuavas a desenhar teimosamente, captando todos os detalhes,

até aprisionares toda a cena.

Ei-la. Resgataste para sempre

a nossa manhã de outro modo perdida. A tua paciência,

mordendo o lábio e de testa franzida, conseguiu fazer o retrato

de um mercado adormecido ainda

na Idade Média. Mesmo antes de desaparecer

sob a gritaria de um milhão de veraneantes

e de um penhasco de brilhantes hotéis. Enquanto a tua mão

descia por baixo de Heptonstall para ser agarrada

pela escuridão interminável. Enquanto a minha caneta viaja

apenas a duzentas milhas da tua mão,

agarrando essa recordação do teu lenço vermelho com bolas branca,

os teus calções, a tua camisola de manga curta -

Uma das trinta que carreguei comigo pela Europa -

e as tuas longas pernas, morenas, onde apoiavas o teu bloco,

e a contemplativa calma

que eu bebia da tua concentrada quietude.

É nessa contemplativa calma

que agora bebo do teu silêncio, que nenhum

de nós pode evitar ou perturbar.


Ted Hughes. Cartas de Aniversário.



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