Na praça da cidade os minutos passavam como lufadas de um vento que não titubeava. Ressoando como fera, transportava a agonia daqueles tempos difíceis.
Pássaros cantavam baixinho como se ainda respeitassem o lamento que, contudo, não mais entrava por entre as frestas.
Nenhum outro som vinha da rua. A poeira sobre o vidro da mesa tornava-o opaco e cinzento. O tempo passava implacável. Francisca, enroscada num canto do sofá do pequeno gabinete, adormecera.
A luz do abajur tocava somente sua expressão crispada e contrita. Naquelas horas tão pouco generosas, a espera vazia tornara sua sensibilidade acuada, desamparando os sentidos. Dormir era uma boa maneira de descansar a mente e o coração.
O sonho a levou através dos meses de caminhos dizimados, sem qualquer eco à aflição dos viajantes.
Ao invés de claros, os dias eram silêncio - persistência branca e quente a lhes atravessar a garganta. Os viajantes ousavam em cada poro, suavam. A esperança os espreitava de cada canto e desejavam que o tempo passasse sem que precisassem regressar, ao invés de seguir.
O olhar atento não lhes trazia certezas, detalhes lhes escapuliam e o entusiasmo permanecia atado à quietude. O silêncio da ação já não sarava as feridas daquelas almas expostas.
A sensibilidade exacerbada daquelas pessoas, contudo, não perdia um dito seu. Via-se entre eles, falando-lhes. Eles a ouviam atentos, sentados ao redor da fogueira. Suas palavras não ficavam sem correspondência: as expressões enternecidas exprimiam momentos de nutrição.
A música de um coro os abraçava, isenta de cuidados. Deslizava macia, nos acordes.
A fumaça dos cigarros de palha desenhava no ar os pássaros, mas não seu canto. A natureza emudecia quando o pôr do sol se estendia sobre o sertão, procurando a cena que lhe faltava.
Mas os minutos passam céleres no espaço de tempo entre o crepúsculo e a alvorada. E se a obscuridade reinava agora, nada deteria o amanhecer.
O alento esperava um novo dia. Ouvia-se na cidade sem festa as dores derramadas no chão empoeirado. Febre e fome estridentes aliavam-se aos cheiros desconfortáveis da seca.
O alento esperava um novo dia. Ouvia-se na cidade sem festa as dores derramadas no chão empoeirado. Febre e fome estridentes aliavam-se aos cheiros desconfortáveis da seca.
“Mas a poesia vela o desconsolo?”, ouviu-se perguntando, como se falasse em voz alta.
“Quando submetida ao silêncio apreensivo, cala-se também. Todavia, não é clandestina nas noites complexas. Vem, segue sem covardia. E confia”.
Sentou-se. Olhou a claridade que chegava, sentiu o calor da manhã e percebeu que dormira e sonhara. Contudo, o diálogo estava tão presente que ainda olhou à volta, em busca da sua interlocutora. Mas não havia ninguém além dela: estava sozinha.
Ficou confusa, pois se lembrava daquele ‘ser’ bastante bem. Uma mulher linda que ia se iluminando de dentro para fora. Dentro dela havia um fogo pequeno e constante. Brilhava, em sua transparência.
Viu no chão a lixeira, abarrotada de folhas de papel amassadas. Eram rascunhos, recordava, de poemas que tentara escrever na véspera.
Em cima da mesa um texto, escrito com letra diferente da sua, dizia:
Tentar viver em harmonia e equilíbrio deveria ser mais praticado entre os seres humanos e entre estes e a natureza.
A humanidade criou cidades com toda sorte de desentendimentos, desigualdades, descréditos, desconhecimentos.
Importarem-se uns com os outros elimina o preconceito e a exploração. Respeitar a natureza preserva seu equilíbrio.
Um pouco menos de impessoalidade, egoísmo, individualidade traria solidariedade e respeito, na diversidade. E também na reciprocidade, na forma de fazer-se presente mutuamente.
Sim, tenho em mim o Amor. Vibrem-no em si, sem restrições. Entreguem-se à paz e ao entendimento. O Cosmos conspirará a favor de vocês se não ensaiarem seus gestos.
Meu nome é Concórdia, deva da harmonia.
Sonia Regina
07.03.12
Nenhum comentário:
Postar um comentário