Publicado na Carta Capital em 1 de novembro de 2010
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Uma vitória do povo brasileiro. A vitória de um projeto político.
A vitória de uma mulher. Talvez isso poderia ser uma boa síntese das
eleições deste domingo. O Brasil que a nova presidente encontra não é o
mesmo de 2003, quando Lula assumiu. É muito melhor. No entanto, os
desafios que Dilma Rousseff tem pela frente são enormes, sobretudo o de
continuar a luta para diminuir a desigualdade social que ainda nos
afronta, preocupação que ela manifestou sempre durante a campanha.
Tenho convicção de que a democracia está se consolidando no Brasil.
Que o povo brasileiro amadurece cada vez mais. Que a cidadania cresceu.
Que a consciência da nossa gente não se submete mais com tanta
facilidade aos chamados meios de comunicação de massa, cujo núcleo
central é escandalosamente partidarizado. Que os grotões desapareceram
de nossa cena política. Que não há mais donos de votos no País,
especialmente para as eleições majoritárias. Que não se subestime mais a
capacidade do nosso povo.
Creio que definitivamente caiu por terra a noção da existência de
formadores de opinião situados na chamada mídia hegemônica. Ou, dito de
outra forma, a importância desses atores diminuiu muito. O povo reage é
diante das políticas públicas, do resultado efetivo da atuação do
governo face à sua vida. Por que razão o povo brasileiro iria deixar de
votar numa candidata que representava a continuidade de políticas que o
beneficiaram tanto nos últimos anos e trocá-la por outro, que
representava tão nitidamente políticas que o prejudicaram enormemente,
como o governo Fernando Henrique Cardoso?
Penso muito no desprezo que alguns daqueles que se acreditam
formadores de opinião tem pelo povo brasileiro. Não se conformam com a
popularidade do presidente Lula, tentam desqualificá-lo o tempo inteiro,
confrontando-se com índices de aprovação superiores a 80%. E embarcaram
de forma resoluta na tentativa de desqualificação da candidata Dilma
Rousseff, inclusive na sordidez que envolviam os falsos dossiês sobre
sua atuação política ou, ainda, sobre o odioso caso da posição diante do
aborto.
O povo brasileiro elegeu Dilma com muita consciência de que apoiava
um projeto político. Há aqueles que atribuem a eleição de Dilma apenas
ao inegável carisma do presidente Lula, e não há dúvida de que isso
contou. Parafraseando Caetano Veloso, que referiu-se a Roberto Carlos
dizendo a gente sabe a quem chama de rei, o povo sabe a quem chama de
líder.
Lula é o maior líder político e popular da história do Brasil. No
entanto, não fosse o extraordinário governo feito nesses oito anos, com
resultados nunca antes vistos, para melhor, nas condições de vida do
povo brasileiro, e certamente não bastaria o carisma do presidente Lula.
O carisma se afirmou por conta, sobretudo, das políticas públicas que
foram levadas a cabo pelo governo, fruto de um projeto político pensado
pelo PT, desenvolvido com mais consistência entre o final dos anos 90 e
início do novo milênio. Claro que esse projeto encontrou um ator
singular, de uma capacidade rara, de uma intuição política fantástica, e
que soube, portanto, dar consistência a tudo que havia sido pensado
pelo PT.
O partido compreendeu a complexidade do Brasil. Superou quaisquer
tentações isolacionistas, procurou alianças amplas e pensou uma
revolução de longo prazo, uma revolução democrática, que enfrentasse a
profunda desigualdade social que nos afronta há séculos, que situasse a
Nação de forma soberana na arena mundial. Desde o seu nascimento, o
partido havia superado a dicotomia entre socialismo e democracia. E no
projeto concebido mais recentemente certamente reafirmou para si mesmo
que o processo de mudanças no Brasil se daria no leito democrático, do
qual nunca abriu mão.
E pôde experimentar nesses oito anos, ao lado dos partidos aliados
que chamou para o projeto, o quanto é possível mudar o Brasil, as
condições de vida do povo brasileiro, no exercício pleno da democracia.
Tirar quase 30 milhões da pobreza absoluta e elevar mais de 30 milhões
da pobreza à classe média é o maior triunfo desse projeto. Foi nele que o
povo votou.
E foi a vitória de uma mulher. A vitória da mulher brasileira. O ano
de 2002 marcou um fato inédito na história do Brasil: a eleição de um
presidente operário. Agora, o povo brasileiro produz outro fato inédito:
pela primeira vez elege uma mulher.
Nunca se viu um ataque tão descabido, tão sórdido, tão abaixo da
linha de cintura à figura da mulher como foi feito pela campanha do
candidato adversário. Nossas ilusões nos levaram a pensar numa campanha
de bom nível, face ao passado de Serra. Foi um grave engano.
Nunca o nível baixou tanto, e contra uma mulher. E procurando buscar
nos recantos obscuros da alma da sociedade brasileira os elementos que
suscitassem o ódio, que alimentassem os preconceitos, que suscitassem a
raiva contra a mulher, contra todas as mulheres, e especialmente contra
aquelas que eventualmente tivessem que recorrer ao aborto.
E a chamaram despreparada, e a chamaram teleguiada, e quiseram-na sem
vida política, e a denominaram terrorista, como se terroristas fossem
todos os que resistiram à ditadura. E semearam mentiras, e fizeram
milhões de telefonemas clandestinos com toda sorte de calúnias contra
ela.
E ela ganhou. Ganhou a grande mulher que é Dilma, que soube superar
uma doença, que não se abalou com a sordidez que se alevantou contra
ela, e se torna assim a nossa primeira presidente mulher. As mulheres do
Brasil estão em festa. E os homens também. Há um caldo de revolução
cultural na eleição dessa mulher. Os homens viverão uma experiência
nova: a mulher que sempre soube cuidar dos filhos e da casa, e que nunca
deixou também de viver intensamente a vida pública, irá agora dirigir
os homens e mulheres do Pais, cuidar com imenso carinho de todo o povo
brasileiro, acelerando o processo de distribuição de renda iniciado com
tanta firmeza pelo presidente Lula.
Emiliano José
Emiliano José é jornalista, escritor, doutor em Comunicação e Cultura
Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia. www.emilianojose.com.br
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